Mateus 5:4
Lágrimas e dor. Soluços convulsivos que apertam o peito e você sente um nó na garganta. Tenta falar, mas as palavras não saem. As lágrimas anuviam a vista, e a dor distorce o rosto. Um peso enorme oprime o coração e paralisa todas as emoções. Nesse momento, o que acontece ao seu redor tem pouca importância; você só tem a consciência do peso, da dor, da angústia... E Jesus lhe diz: “Bem-aventurado”.
Naquela manhã no monte, Jesus pronunciou muitos paradoxos[i] em seus ensinamentos. No entanto, é provável que nenhum deles seja tão difícil de entender como este segundo ensinamento: “Bem-aventurados os que choram” (Mateus 5:4). Será que Jesus quis de fato dizer: “Felizes os tristes. Alegres os desamparados?” Que grande contraste com a mentalidade moderna! Hoje em dia, longe de aceitar a dor como algo proveitoso, as pessoas fogem dela a qualquer custo. Olham o dolorido de longe e sentem pena pelos que sofrem.
“Bem-aventurados os que choram.” Se Jesus tivesse terminado aqui, ainda o crente estaria confuso. No entanto, ele continua esclarecendo: “porque eles serão consolados”. Nesse esclarecimento, a pessoa de fé encontra uma resposta satisfatória ao paradoxo. Mas o incrédulo continua lutando. Para o crente, a bem-aventurança está ligada a sua esperança e sua confiança na bondade de Deus. Para o incrédulo, não há esperança nem confiança. Com razão, foge da dor!
É necessário esclarecer que nem toda dor é igual. A promessa de Jesus não significa consolo para todo aquele que sofre, mas esperança para todo aquele que crê. Para o crente, esta promessa significa propósito; é o enfoque do que espera algo melhor. Toma o vácuo da angústia e o transforma de um beco estreito e sem saída em um caminho para a vida.
Em 2 Coríntios 7:10, fica claro que há uma “tristeza segundo Deus” e uma “tristeza do mundo”. “Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte.” Todos experimentam tristezas e padecem em contextos conhecidos por nós. O contexto determina o resultado. A tristeza segundo Deus produz vida. A tristeza do mundo é um processo de perdição e destruição.
Pedro, sentado no monte, escutava a pregação de Jesus naquela manhã. Pedro, um homem de muita autoconfiança, certamente se perguntava o que Jesus queria dizer com aquele paradoxo. Judas, provavelmente, estava sentado perto de Pedro e, entre maquinações e pensamentos egoístas, se perguntava a mesma coisa. Com o passar do tempo, os dois chegaram a experimentar tristezas profundas, mas cada um tomou um caminho diferente.
Durante aquela noite decisiva na vida de Jesus, Judas o traiu. Denunciou-o e o entregou para, em seguida, pagar o preço com sangue. Na mesma noite decisiva, Pedro negou a Jesus. Três vezes negou o homem que dizia amar. Tanto Judas quanto Pedro se sentiram extremamente mal. Ambos experimentaram uma aflição indescritível.
Judas voltou até os sacerdotes, lançou o dinheiro no chão, e quis desfazer o que havia feito. Mas Judas se encontrava em um caminho de destruição, e sua tristeza o consumiu e levou-o ao suicídio.
Depois de negar a Jesus, Pedro saiu e chorou amargamente. Esse fim de semana depois da crucifixão estendeu-se longamente como uma noite interminável. A lembrança do olhar de Jesus contrastada com sua infidelidade atormentava sua alma. Mas a tristeza de Pedro não o fez fugir; levou-o ao arrependimento. No domingo de manhã, Pedro correu até a tumba vazia. E mais tarde, quando viu Jesus na praia, saltou do barco e nadou até a margem. A tristeza que é segundo Deus operou em Pedro para levá-lo a Jesus, e não ao desespero. Ali, na praia, junto a Jesus, o Pedro que havia chorado amargamente encontrou o consolo perfeito.
“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”. Não há maior consolo, descanso, nem paz que o que se encontra quando nossos pecados são perdoados. Muitos choram por causa do sofrimento ocasionado pelos seus pecados, mas não encontram consolo. No entanto, os que choram em arrependimento por seus pecados, encontram uma paz maravilhosa. A tristeza por nossos pecados representa as dores de parto do nascimento da alma a uma nova vida.
Muito da dor que sofremos na vida não está relacionada a um pecado pessoal. Às vezes, morre um ente querido e parece que tudo acabou. Os ladrões levam aquilo que nos custou muito trabalho para adquirir. Nossa família nos menospreza, o patrão nos demite sem que tenhamos feito nada para merecê-lo. Isso nos faz sentir esmagados, rejeitados e esquecidos.
As tristezas desta vida podem ser de grande ajuda na luta por manter nosso foco no eterno e nossa confiança no invisível. As comodidades e as alegrias, às vezes, nos atam a esta terra, a qual teremos que deixar algum dia. Para o cristão, cada perda e tristeza lhe permite soltar-se um pouco mais do temporal e abrir mais os olhos para ver a glória que lhe espera.
No dia 13 de junho de 2000, sentimos o céu muito perto como família. Acompanhamos nosso pai em seus últimos minutos de vida. Juntos, choramos ao redor de sua cama enquanto as linhas no monitor cardíaco enfraqueciam até desaparecer. Ainda nos momentos finais, não deixamos de falar com ele. Mas nossas palavras não eram de angústia ou desespero, mas de ânimo e esperança. Demos-lhe nosso amor, e lhe desejamos o melhor em sua viagem ao outro “lado do rio”. Com vozes temerosas e olhos anuviados pelas lágrimas, cantamos enquanto nosso pai se ia. Aqueles dias foram pungentes, mas de ali em diante, o céu se tornou mais real para mim, e o terrenal, menos importante.
Pouco a pouco, a alma que vive pela fé vai se soltando da garra do ter- renal e fixando sua vista no consolo prometido.
“Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; não atentando nós nas coisas que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se não veem são eternas.” (2 Coríntios 4:17, 18).
Em outra ocasião, junto à tumba de minha tia, notei um contraste enquanto observava meus quatro primos. Minha tia sofria de invalidez mental há vários anos, e não podia cuidar de seus filhos. Meus primos estavam na frente, junto à tumba, enquanto desciam o caixão ao buraco na terra. Três de meus primos tinham saído dessa situação difícil e escolheram uma vida piedosa. Um escolheu outro caminho, o qual o levou a muitos pecados e divórcio, e que lhe causou muitos remorsos. No dia do funeral, três de meus primos eram serenos e mantinham a compostura, apesar da dor interna. O outro era sacudido por soluços e consumido pela amargura. Três olhavam para frente, antecipando um dia de reunião com sua mãe. O outro olhava para trás, lamentando-se pela mãe que nunca apreciava.
Essa bem-aventurança, conforme vemos em Lucas, nos dá outra perspectiva a esse paradoxo. “Bem-aventurados vós que agora chorais, porque haveis de rir” (Lucas 6:21). O enfoque aqui parece ser a diferença entre o presente e o futuro, e destaca o valor de sacrificar a comodidade presente em troca da felicidade futura. Este princípio também se aplica ao contrário. Há aqueles que se apegam à comodidade presente e sacrificam sua felicidade futura. Isso, sim, é uma perda irremediável. Aqueles que se empenham em evitar o sofrimento se colocam em perigo. Assim diz Jesus: “Ai de vós, os que estais fartos, porque tereis fome. Ai de vós, os que agora rides, porque vos lamentareis e chorareis.” (Lucas 6:25).
Às vezes sofremos perdas e dor porque escolhemos assim. Não se deve a resultados do pecado nem a circunstâncias difíceis fora de nosso controle. Em ocasiões, escolhemos suportar sofrimentos porque cremos nos resultados. É disso que nos escreve Davi no Salmo 126:5, 6: “Os que semeiam em lágrimas segarão com alegria. Aquele que leva a preciosa semente, andando e chorando, voltará, sem dúvida, com alegria, trazendo consigo os seus molhos.”
Quase diariamente enfrentamos decisões que afetam nosso futuro. Dou do que tenho para ajudar a certa pessoa, ou não o faço? Testemunho de Jesus mesmo quando isso me expõe para ser rejeitado, ou guardo silêncio? Me sacrifico pelo bem do reino de Deus, ou prefiro dedicar-me a meus próprios interesses? A pessoa de fé está disposta a enterrar ainda o que lhe é precioso em troca de uma colheita futura.
Na história, há muitas pessoas que, com lágrimas, enterraram mesmo o que lhes era precioso. O apóstolo Paulo entregou sua reputação, e considerou sua condição de judeu privilegiado como lixo (Filipenses 3:4-7). Muitos deixaram seus negócios e riquezas em troca de servir no reino de Deus. Muitos homens enterraram suas esposas ou filhos em terras distantes onde se encontravam pelo chamamento do Senhor. Muitos derramaram seu próprio sangue e deram sua própria vida na tarefa de ir e semear a boa semente.
Benditos e bem-aventurados são os que renunciaram voluntariamente as comodidades, a segurança, e ainda a vida em troca de tristezas e perdas por causa de Cristo. Somente Deus sabe, e somente a eternidade nos esclarecerá quão grande será sua colheita de alegria. Eles poderão rir... porque choraram pela causa de Cristo.
A natureza humana aborrece o sofrimento, e se sente impotente quando o vê em outros. Mas o cristão não tem por que fugir do sofrimento. A pessoa que sofre com fé recebe consolo na esperança (Romanos 5:2-5). Por outro lado, assim como somos consolados, também somos chamados a levar consolo. “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e o Deus de toda a consolação; que nos consola em toda a nossa tribulação, para que também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, com a consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus” (2 Coríntios 1:3, 4).
Aquele que sabe o que é receber consolo em sua tristeza pode consolar a outros. Os que em seu sofrimento sabem descansar na graça do Senhor estão equipados com a graça necessária para ministrar a outros. Por experiência pessoal, eles estão capacitados para chorar com os que choram, fortalecer os fracos, e difundir o consolo da esperança.
Jesus diz: “Bem-aventurados...” Bem-aventurados os que choram e se lamentam por seu pecado, porque encontrarão a paz. Bem-aventurados os que suportam a dor com fé, porque para eles o invisível se torna real. Bem-aventurados os que sacrificam a comodidade presente em troca do futuro, porque seu futuro será de alegria. Bem-aventurados os que entregam o que lhes é precioso por causa de Cristo, porque a colheita será grande. Bem-aventurados os que encontram o consolo de Deus, porque chegaram a ser instrumentos de consolo.
Bem-aventurados os que choram, porque se aproxima o dia de consolo para eles. A esperança que agora nos sustém passará para dar lugar a uma realidade na qual toda injustiça será corrigida, toda perda restaurada, todo sofrimento recompensado. O próprio Deus enxugará cada lágrima.
Quando a dor e as calamidades nos acometem, a fé entra em ação com sua mensagem de esperança: O dia de consolo se aproxima!
[i] Aurélio: 'conceito que é ou parece contrario ao comum'